Na sexta edição da Revista Al Hakim, Sandra Benato escreve sobre a Estação do medo e da esperança narrada por Ibn ÀrabĪ no Estudo Futūḥāt al-Makkiya, capítulos 100 a 103. Sandra aborda em seu artigo, o texto, escrito por Ibn Árabi, a partir do vínculo com o ḥadīt da Glória, que nos esclarece tanto em relação à vivência espiritual quanto do cotidiano, pois, segundo ela, esses aparentes opostos são um processo unificado da realidade.
Lembremos o sentido de alguns termos técnicos que o Šayḫ al-Akbar¹ utiliza: tanto o caminho espiritual quanto a vida de um modo geral são entendidos como uma “viagem” que percorremos ao encontro do Real e ao encontro de nós mesmos. Como em toda viagem, experimentamos estados interiores e exteriores diversos, tais como sentimentos, pensamentos, sensações, percepções, etc. que se modificam a todo instante. Por outro lado, também vivenciamos períodos mais estáveis da viagem, tanto no trajeto quanto em nossa experiência pessoal, que conduzem a aberturas ou expansão da consciência. Para Ibn ‘Arabī, a cada respiração estamos em um novo “estado” (ḥāl, p. aḥwāl)) dos movimentos da viagem: viemos do Real, voltamos ao Real, seguimos Nele e com Ele. Todo momento possui, portanto, ao menos três movimentos distintos e um quarto movimento que os unifica em uma “estação” (maqām, maqāmāt), morada ou hospedagem ao longo do caminho. A estação marca um ponto de vista, uma determinada compreensão e vivência da realidade, um “lugar” da alma, no qual repousamos ou permanecemos por períodos mais ou menos longos; e, simultaneamente, a expressão da identidade essencial de cada um, sua proximidade com o Real. Cada criatura faz seu próprio trajeto, e, do mesmo modo que a respiração é única a cada instante e inerente a cada um, nem todos se detém nas mesmas estações e nem todos as experimentam do mesmo modo.
A estação do medo (ḫawf²), ou do temor, é uma delas. A dificuldade em entender a linguagem do Šayḫ, a princípio, é que ele fala a partir de um ponto de vista abrangente, que implica tanto em uma ontologia ou modo de aparecimento da Vida, quanto na transformação da consciência e sua proximidade com o Divino. Há uma correspondência entre o que ele chama de “o grande homem”, ou o cosmos em geral, e o ser humano perfeito, al-insān al-kāmil, fundamento da consciência que responde pela inteligibilidade presente no universo. Nesse sentido, o temor se vincula com o aniquilamento, com tudo o que nos faz sentir ameaçados em nossa efêmera estadia em torno do sentido de “eu”, ou que nos desvia de sua “órbita”. No entanto, tudo o que nos faz experimentar temor nos atrai para uma órbita mais ampla que a identificação com o que Ibn ‘Arabī chama de “eu-mortal” ou eu-bašarī.
¹O Mestre Maior, como Ibn ‘Arabī (1161-1240) ficou conhecido.
²Da raiz ḫ.w.f. – segundo Jurjānī, é a expectativa de um acontecimento desagradável ou de perder algo que se queira bem. ³Da raiz s.b.ḥ, que comporta o sentido de nadar, banhar-se, al-tasbī,ḥ significa banhar-se na Glória divina.Indica o fato de remover ou decapar (tanzīh) as representações do Real de todas as imperfeições próprias da manifestação das criaturas. Note-se a inter-relação com al-tašbīh (raiz š.b.h.), que indica comparação, analogia, similaridade, termo técnico que se refere à comparabilidade (ou imanência) do divino em contraposição com tanzīh, incomparabilidade (ou transcendência). Subuḥāt implica na incomparabilidade divina, como na expressão subḥāna’llāh – “exaltado ou glorificado seja além de” qualquer semelhança.
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